terça-feira, 21 de junho de 2011

Livro La Isla de Eudamón: Capítulo 1 "A Mansão Inchausti" Parte IV

                                                     A Mansão Inchasuti
                                          Parte IV


*Desculpe por não ter postado mais cedo. Hoje a parte desse capítulo mostra a vida de Rama antes de chegar a Fundação BB. Imperdível!


Em tempo recorde criou a Fundação Bartolomé Bedoya Aguero, mais conhecida como a Fundação BB, dedicada a cuidar de crianças desamparadas. Quando a fundação foi aprovada, e chegaram as primeiras crianças, Bartolomé recebeu então uma pequena parte da herança. Dava para um ano de uma vida ostentosa. Mas claro, agora tinha que dar de comer, vestir, educar e cuidar desses moleques sujos. E isso custava dinheiro. Então foi Justina quem deu a solução: as crianças que gerassem. E na área dos empregados se conservava uma velha oficina de brinquedos. O velho Urbino Inchausti, avô de Ángeles, era um aficionado em brinquedos, e ele tinha ventilado o espaço onde ele alimentava o seu vício. Era uma oficina artesanal de luxo. Justina sugeriu que poderia colocar os meninos ali fazendo falsificações de brinquedos de coleção, que depois colocariam no mercado negro...
 Bartolomé adorou a ideia, mas como o negócio das falsificações demoraria a funcionar e o dinheiro acabaria rapidamente, tinha que encontrar alguma coisa que diminuísse a espera, e rápido. Ele sabia que nada gera mais pena e culpa que uma pobre criança pedindo na rua. Decidiu, então, mandar as crianças pedir doações na rua.  Quando a doação era grande, Bartolomé não desconfiava. Mas quando a doação era pequena, os obrigava a usar dotes que as crianças tinham aprendido na rua: roubar. Foi assim como a Fundação BB encontrou seu autêntico rumo. Por fora, se tratava de uma fundação altruísta, dedicada aos cuidados da infância. Por dentro, era um lugar frio e cruel, onde as crianças eram obrigadas a fabricar brinquedos, pedir doações e roubar.      

Si estiver atento, pode observar, antes que chegue o amor, uma série de detalhes sutis que o antecipam. Como a brisa suave e fresca que antecipa uma tempestade ou a escuridão profunda que antecipa o amanhecer. Quando chega o amor, antes dele, como mensageiro, chega a magia. A magia que produz encontros, casualidades, lugares e movimentos indicados. A magia que nos volta visível aos olhos do outro. Em 21 de março de 2007 houve magia num lugar muito escuro. Esse dia começou uma história que mudaria a vida de um grupo de pessoas, para sempre.

Ramiro Ordóñez foi em outro tempo um garoto feliz. Se existe algo pior do que não ter conhecido a felicidade, é tê-la experimentado e depois tê-la perdido. Não foi felicidade de uma ilusão, publicitária, enorme. A sua tinha sido uma felicidade modesta, mas que era o suficiente. O motivo de sua felicidade era sua mãe e seus sorrisos dourados, sua irmãzinha, a pequena casa que viviam, a escola que ele ia, o avental sempre branco  e com cheirinho d e limpo, todos os livros que colecionava com paixão, a hora do recreio,  o programa de música que dava aos sábados na TV, seu quarto quentinho e sempre limpo, os poucos brinquedos bem conservados que tinha, o cinema um sábado por mês, o violão que via todos os dias na janela da loja de instrumentos, o pequeno cofre que sua mãe colocava dia trás dia uma moeda e esperar ansioso que forem suficientes para compra esse violão. Uma espera feliz. Ver crescer Alelí, sua irmãzinha, os primeiros passos dela, o sorriso de sua mãe quando ela começou a chamá-lo de Rana , porque Rama não saía. Viajar com sua mãe no último lugar do ônibus, os piqueniques que ela organizava para ele e seus amigos no parque, as tardes de chuva lendo livros de piratas e extraterrestres e de caças ao tesouro e de amor. Tudo isso conformava a felicidade de Ramiro. Mas um dia, de uma maneira quase imperceptível, sutil como uma mudança de estação, algo começou a variar. Sua mãe sorria cada vez menos e seus sorrisos dourados perderam brilho, seu avental já não estava mais tão branco nem tão limpo, já não tinha moedas no pequeno cofre nem novos livros, desapareceu o cinema um sábado ao mês. O violão na janela se via cada vez mais inalcançável. Sua felicidade tinha voltado apagada, só restava o sorriso de Alelí, que nunca se apagou. E com o correr dos dias sua mãe não só não sorria, como agora chorava. Tiveram que deixar sua casa modesta, limpa, quentinha. Foram viver na casa de uma amiga de sua mãe, que parecia sempre irritada. Sua mãe tinha que viajar, o futuro dela escapava. E mamãe foi embora. No início mamãe ligava uma vez por semana. Mamãe disse que mandariam moedas, umas que valiam mais do que as daqui. Mamãe disse todos iriamos viver em outro lugar, um lugar onde sempre era verão. Um lugar onde todos voltariam a sorrir. Mas não voltava. Mamãe não mandava moedas. Mamãe deixou de ligar. A amiga da mamãe  estava cada vez mais irritada e tratava muito mal a Alelí. Um dia ela bateu nela. Ramiro sentiu ódio pela primeira vez na sua vida. Essa senhora um dia os colocou num ônibus e viajaram muito. Foram até um lugar muito feio e frio, onde ela os obrigou a descer. Alelí tinha só quatro anos e ele apenas dez. Ela disse que esperassem aí. Que voltaria em seguida. E foi embora. Mas nunca voltou. Ela não voltou. E ficou de noite e Ramiro não sabia como voltar E tiveram que crescer bruscamente, estirar a pele, saltar da infância até uma juventude impossível. E entre as coisas que Ramiro aprendeu foi uma palavra nova, o nome desse lugar onde estavam: orfanato.

Um ano mais tarde ainda lutava contra a desesperança, e pelas tardes, ele e sua irmã fugiam do orfanato para pedir esmolas, com a ilusão de juntar dinheiro para alugar uma casa onde viver juntos. Com seus onze anos, Ramiro acreditava que esse sonho era possível. Uma tarde, enquanto pediam esmolas, uma mulher se aproximou deles que foi a promessa de recuperar a felicidade perdida. Ela lhes ofereceu uma casa, uma infância segura, viver com outras crianças, estudar, e poder crescer tranquilos, como merecem todas as crianças. Ramiro e Alelí chegaram a Fundação BB quando Ramiro tinha onze anos e Alelí cinco, mas poucos minutos depois da doce boas-vindas de Bartolomé, a promessa de felicidade recobrada se esfumaçou. Logo entendeu que a vida seria cara na Fundação, tinham que pagar pedinho esmolas, fabricando brinquedos e roubando. Disseram pra ele que isso era trabalhar, que ele era todo um homenzinho e era tempo de fazê-lo. A felicidade voltou como algo insignificante, menos que uma lembrança. Mas enquanto Justina os conduzia até os quartos, Ramiro viu algo que, por um instante, fez voltar o brilho de seus olhos: um violão. –Nem pense em tocar nisso! –advertiu a mulher-. É do pequeno Thiago, o senhorzinho da casa. E tirou ambos da sala, mas Ramiro já sorria. Esse violão, como um eco do passado, por um instante foi uma parte daquela felicidade perdida.

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