Parte VI
*Desculpe por não ter postado mais cedo. Hoje essa parte mostra a vida de Tacho (ou Tato em português) antes de chegar a Mansão Inchausti. Emocionante!
Muitas vezes as pessoas se convertem de grandes no oposto ao que foram na sua infância. Esse foi o caso de Juan Morales, que seria algum dia um jovem valente, decidido e forte, o contrário do garoto frágil, medroso e fraco que era aos sete anos. Tinha nascido em um monte, perto de um povoado perdido no norte. Sua família era pobre, mais além da expressão <<humilde>>, muito mais que isso. Pertencia a uma família muito grande. Eram, até o momento, oito irmãos. E em uma família tão grande, os frágeis da manada devem desistir dos sonhos ou ficam pra trás...
Juancito não tinha muitas luzes, mais tinha um aliado: seu irmãozinho gêmeo. O Melli parecia mais frágil, era o mais baixo, o mais magrinho, mas era muito desperto. Ambos tinham uma união inquebrável, estavam como soldados. O Melli era quem ajudava a Juan a atravessar um a um todos os seus medos, já que Juan tinha medo de tudo, e em especial ao campo de urtigas. Para ir da casa até o rio, podiam pegar o caminho longo, que dava uns trinta minutos a pé. Ou pegar o atalho e cruzar o campo vizinho em cinco minutos. Claramente, o atalho era mais cómodo, menos porque o campo vizinho estava cheio de urtigas. Urtigas vigorosas, enormes, mais alta que eles. Passar por apenas uma folha dessas urtigas gigantes significava ardor e inchaço nas pernas e nos braços. Mas o Melli tinha um segredo. E Juan se negava a acreditar. –Se você não respirar, a urtiga não te faz nada- afirmava o Melli. Para Jan isso era absurdo, sem sentido, e continuava fazendo o caminho longo, até quando o Melli demostrava pulando entre as urtigas que, si não respirava, a urtiga não o machucaria. Uma tarde de verão estavam brincando no rio e Juan teve uma sensação, como um animal que pressente um perigo antes que ele venha. Juan era puro instinto, e esse dia sentiu que algo mudaria, e para sempre. Ao voltar pra casa, o Melli ia até o caminho longo. Mas Juan sentiu que talvez essa era a última chance que teria para fazer isso. Então olhou ao seu irmão, em quem confiava mas do que ninguém. –De verdade a urtiga não arde se eu não respirar? –perguntou. –Te juro, Juancito, você me viu fazendo. –E como é? –Você não tem que fazer mais nada a não ser que respirar fundo, guardar o ar, e ir. Não tenha medo, vai. Juan o olhou. Essas eram as palavras mágicas. <<Não tenha medo>>. Si o Melli dizia, era hora de superar o que o impedia de fazer de frente certas coisas. Ambos cruzaram a cerca de amares. Pararam a beira das urtigas. Se olharam e sorriram. Não eram gêmeos idênticos, eram bem diferentes, mas se alguém os houvesse visto naquele momento, não teriam duvidado: eram tão irmão! O Melli o olhou, lhe fez um getso e respiraram bem fundo. Fecharam a boca e contiveram o ar, e o Melli começou a correr. Juancito o seguiu. Ambos correram uns cem metros até chegar numa parte sem plantas. Aí soltaram o ar. –E?- perguntou o Melli, adivinhando sua resposta. –E verdade!- exclamou fascinado Juancito-. Nem arde, nem coça! Como? -Não sei, mais é! Vamos! Voltaram a tomar ar, e voltaram a correr. Ao chegar na casa onde viviam, encontraram várias coisas estranhas. Primeira: na varanda da casa havia um senhor e uma senhora muito bem vestidos. Segundo: a mãe dos dois estava com a cabeça baixa, com expressão mais ou menos triste, quase chorando. E isso era muito estranho. Terceira: sobre uma mesa tinha uma TV. Isso sim que era estranho. Não tiveram tempo de festejar, já que antes de abrir a boca, o pai, severo, lhes informou que o Melli iria com os senhores, já que o iriam adotar uma família da Capital. E não disse mais. Os irmãos se olharam. Seus corações despedaçaram juntos. Dores e mais dores. E rebeldia. Mas com o papi não se discutia. Ao papi faziam caso, e tinham medo. Juan pensava que não podia sobreviver sem seu irmão. Os dois tinham sete anos, e apenas sabiam dizer não. Juan estava sentado no fundo, dando as costas a partida de seu irmão. O Melli chegou perto dele, e lhe disse que o deixaram ir à cidade com ele, para se despedir ali. Juan concordou, e foi caladamente até o carro dos senhores bem vestidos, que abriram a porta para ele com um sorriso, e ele entrou. Quando fecharam a porta, e o carro saiu. Juan se alarmou porque o Melli ainda não tinha subido. Olhou pela janela, e viu que ele dava tchau com grande tristeza em seu rosto. A mulher bem vestida virou e sorridente lhe disse: -Então te chamam de Melli...-Não, meu irmão que chamam de Melli. –Melhor, vamos te chamar pelo seu nome, é mais bonito, não? Seu nome é José? Mesmo com sete anos e suas poucas luzes, Juan entendeu o que estava acontecendo. José, o Melli, seu irmão, o que não tinha medo de nada, tinha se assustado. O que lhe assustou foi a ideia de ser adotado, de deixar o monte e a família. E por medo tinha mandado ele em seu lugar. Seu irmão, uma parte de si mesmo, o tinha traído. Desde esse momento, sua vida mudou para sempre. Sua família o tinha entregado em troca de uma TV. Preto e Branco. E assim foi a sua vida a partir desse dia: Seu silêncio irritou a família adotiva. Nunca se adaptou. A nova mãe acabou não aceitando ele e os dias nessa casa foram um inferno. Até que escapou. Vagou pela cidade, pela vida. Contendo o ar, como em um grande campo de urtigas. Desde a traição de Melli, sua outra metade, já não podia confiar em ninguém. Se meteu em problemas. Em muitos problemas. Terminou rodando por institutos e reformatorios. A essa altura, o medroso Juancito tinha se transformado em puro ressentimento. Já não tinha medo de nada. Só da Escorial, um reformatório para crianças e jovens problemáticos. Um roubo, uma briga de rua, um policial e a intervenção de um agente social. Mas alguma coisa aconteceu no último minuto. Alguém o resgatou. Alguém evitou sua transferência para a Escorial. No lugar dela, o levaram a uma fundação, a Fundação BB. Seu instinto lhe falava que esse senhor de cabelo cacheado e sorriso falso era pior que um campo de urtigas. Tinha onze anos, muito ressentimento e muito ódio acumulados quando chegou na Fundação BB. Ali conheceu um garoto loiro de olhos tristes que se chamava Ramiro, que seria, com o tempo, seu irmão, essa metade que ele perdeu um dia, o dia que o Melli o traiu.
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