quinta-feira, 16 de junho de 2011

Livro La Isla de Eudamón: Capítulo 1 "A Mansão Inchausti" Parte III

                                                          A Mansão Inchausti
                                                                          Parte III
*Essa parte está um pouco maior do que as outras e desculpe por não ter postado mais cedo



Muito pesaria na consciência de Justina tudo o que aconteceu naquela noite em que a morte sobrevoou a mansão Inchausti, oculta sob várias máscaras. Aquela noite infeliz houve uma morte desejada, uma morte evitável, uma falsa morte e uma provável morte. Justina tinha alguns escrúpulos e ofereceu certa resistência, mas tudo foi decisão de Bartolomé, que era seu senhor, seu amor, sua debilidade. –Dez anos! –exclamou ele entre sussurros, em um corredor do segundo andar, junto ao quarto de hóspedes no que haviam colocado Alba- Dez anos estive cuidando dessa velha maldita, para que agora venha uma empregada oportunista, com uma filha bastarda e outro por nascer para ficar coma  minha fortuna! Com nossa fortuna, Justin! -Mas senhor... –Justina tentou contradize-lo-. É uma vida. Duas vidas. Três vidas, meu amor, digo meu senhor! –E desde quando você se importa tanto com a vida, ave de rapina? – rebateu Bartolomé. –Chamemos a um médico, senhor- suplicou Justina -. Ela pode morrer a qualquer momento! Bartolomé entendeu que teria que apelar para a sedução para transforma-la em sua cúmplice...
Então ele foi para atrás dela, e sussurrou ao seu ouvido. –Não vamos deixar que ninguém fique com nossos milhões, Justin. Pense nos milhares de prazeres exóticos que vamos nos dar juntos... Estou nos meus trinta, tchê! Já mereço uma vida de luxos! –Mas, senhor, vamos cometer um assassinato? –Quem falou de assassinato, Justin? Nada disso... Olha, a mãe, pobrezinha, chegou muito doente. Morreu ao dar a luz. E o bebê, pobre alma, também bateu as botas no parto... –-E a outra? –perguntou Justina-. Como passa-los para a luz no fim do túnel? O senhor... Tem estômago para fazê-lo? –Não somos nós quem temos que fazê-lo. A noite fará, o inverno, a tempestade e o bosque. E o plano aconteceu. Quase em sua totalidade. Alba morreu no parto.  Mas o bebê, que era uma garota, sobreviveu. Bartolomé decidiu então que ela também seria vítima da noite, o inverno, a tempestade e o bosque. E ali foram, ao bosque, com a pequena Ángeles e a bebê recém-nascida. A Ángeles abandonaram na parte mais espessa da mata. A ideia original era deixar a bebê no outro extremo. Afastadas ambas da sorte e da graça de Deus. Mas Justina se manifestou que ela mesma se encarregaria da recém nascida, e Bartolomé agradeceu; ele não gostava dessa parte de seu trabalho. No mesmo instante em que Bartolomé comunicava, cabisbaixo, a trágica notícia da morte de Alba e sua filhinha a velha Inchausti, Justina salvava da morte a pequena bebê. Compadecida, a escondeu em um escondido porão da mansão. E ironicamente ela colocou o nome da bebê de Luz a quem escondeu nas sombras, para resgata-la da escuridão da morte. Submergida na culpa e na tristeza mais profundas, Amalia Inchausti morreu na mesma noite em que em que recebeu a notícia. E Bartolomé presenciou, enfim, a morte de sua tia. Uma morte tão desejada. Alba Castillo foi condenada a morrer, minunciosamente, por Justina e Bartolomé. Uma morte evitável. Luz Inchausti morreu sem morrer. Sobreviveu em segredo, protegida por Justina, mas afastada da realidade. Uma falsa morte. E Ángeles Inchausti foi abandonada para que morresse no meio da noite, do inverno, da tempestade e do bosque. Desamparada por completo e sentenciada a uma provável morte.

Algumas horas antes de ser abandonada nos braços da noite, do inverno, da tempestade e do bosque, quando sua mãe ainda estava viva, Ángeles recebeu um presente. Enquanto Alba estava entre a vida e a morte em uma cama estranha, o homem de roupa ridícula e a mulher vestida de preto cochichavam em um quarto. Ángeles aguardava sentada no chão do corredor. Tentava não chorar, porque sabia que quando seus enormes olhos azuis derramavam lágrimas, o mundo inteiro chorava com ela. Cada vez que Ángeles chorava, chovia. Por isso fez tudo possível para não chorar, porque essa noite já era suficientemente triste. Mas, ela tinha muita vontade de liberar seus sentimentos. De chorar a morte de seu pai, a doença de sua mãe, a pobreza e o desamparo em que viviam. Ángeles lutava para controlar sua angustia e sentimento de abandono, até que o cansaço a venceu. Mas como o lugar não lhe parecia cómodo, não chegou a dormir completamente, e poucos minutos depois um cheiro doce e penetrante a acordou. Pensou que estava na cozinha de sua casa, onde sua mãe cozinhava  torta de limão que tanto ela gostava. Mas não, ela ainda permanecia naquele corredor escuro e aterrorizador, mas pelo que logo depois viu se aproximar dela um velho homem. Seu sorriso deu a ela tranquilidade, parecia um bom homem. E do seu corpo saía algo como luzinhas brancas, brilhantes, lindas. O velho homem sorria. E ele a chamou por seu nome. –Ángeles... É muito importante que você se lembre sempre quem você é. Isso vai te ajudar a lembrar –Ele lhe disse enquanto entregava a ela uma pulseira de miçangas, com uma medalhinha com um símbolo estranho-. Cuide bem dela, por favor. Ela prometeu a ele e o velho homem se foi da mesma maneira que havia chegado, em segredo. Ángeles não sabia  –como poderia saber?- mas o velho homem que lhe havia presenteado uma pulseira era Urbino Inchausti, seu avô, quem havia desaparecido misteriosamente, muito antes que ela nascesse.  

Bartolomé estaba exultante. Sua tia Amalita tinha morrido, todos os herdeiros haviam desaparecido, e o herdeiro universal, em consequência, era ele. Ele e sua irmã, quer dizer, ele. Tinha uma felicidade que estava chorando o dia todo. Estava até mais afetuoso, mais carinhoso com sua irmãzinha, com seu filho, com sua mulher. Justina observava com um amargo ressentimento esse carinho. A única coisa que iluminava um pouco sua alma sombria era esse frágil bebê que ela havia salvado da morte, e que mantinha oculta no escondido porão da mansão. Ela entendeu que seria necessário mantê-la ali por um bom tempo, por isso começou a acondicionar em segredo o lugar. Instalou aquecedores e começou a decora-lo. Essa maternidade roubada tinha feito despertar nela um dos sentimentos mais nobres, e tinha feito reviver nela sua grande paixão: os musicais. Começou a decorar o porão como um pequeno teatro, mais parecido com um café-concert. Havia um palco, havia telões vermelhos , havia música, havia vida. Enquanto isso, Bartolomé, quase se esquecendo de sua leal cúmplice, fazia planos para o futuro com sua futura riqueza. –Justiça foi feita, tchê. Os Bedoya Aguero voltaram a ser milionários!- celebrava com sua irmã, que já estava gastando demais. Barto acreditava que sua renovada posição econômica descongelaria um pouco a geleira que existia entre ele e sua mulher. Seu casamento com Ornella tinha sido um erro, ele a amava, mas ela claramente não; e ficava furioso até chegar o ponto de ficar violento cada vez que ela sugeria a possibilidade de se divorciarem. Bartolomé estava convencido de que finalmente saísse, seria mais fácil para Ornella amar um milionário, e poderia, enfim, viver sua vida feliz. Mas mais uma vez, alguma coisa complicou seus planos. O dia em que se fez a leitura do testamento descobriu que a tia Amalita, em seus últimos minutos de vida, tinha acrescentado na que dizia que, a partir do dia de sua morte, haveria dez anos de prazo para encontrar suas herdeiras. Passado esse tempo, sua herança passaria para as mãos de seus sobrinhos Bartolomé e Malvina Bedoya Aguero. Bartolomé desejou que sua filha estivesse viva, para ele poder matá-la. Enfurecido, voltou a se entristecer e a maltratar sua família. Dez anos era muito tempo, e muito perigoso. Ele não acreditava que a pequena Ángeles pudesse sobreviver, mesmo com pouca sorte, tudo era possível. Mas tinha uma tragédia mais imediata que a espera desses anos: estava falido. Vivia numa luxuosa mansão –no testamento de sua tia permitia que ele continuasse vivendo ali-, mas não tinha nenhum centavo; mas ainda tinha uma vida cara e aparência de homem rico que sustentar. Então encontrou uma solução. Tinha uma cláusula no testamento que estipulava uma doação, sem demais especificações, de alguns milhes a algum orfanato. Compadecida com o infortúnio de sua neta, a que nem chegou a conhecer, Amalia quis tirar o peso de sua culpa com caridade. Então doou uma boa quantia de dinheiro a qualquer instituição que protegesse as crianças. Essa foi a luz de esperança que encontrou Bartolomé.  De nenhuma maneira ele aceitaria que alguns órfãos sujos percebessem um peso sequer de sua fortuna. Decidiu se transformar nessa instituição. Criou uma fundação destinada a dar refúgio e educação as crianças de rua. Precisaria de um lugar onde abriga-los, seria a área dos empregados da mansão. Obviamente também teria que encontrar no mínimo duas crianças, e com a ajuda de Justina e alguns contatos que tinha com a policia, conseguiram alguns. Era indispensável contar com a autorização de um juiz, por isso recorreu a Adolfito Pérez Alzamendi, o pai de um colega de colégio de seu filho.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário